Quando o silêncio é denso, amorfo, impossível de descolar da pele ressequida, quando o seu peso verga a torrente de palavras que deveriam cruzar o vazio... Algures há uma comporta que aprisiona a doçura e apenas liberta o sal que são meus olhos, semicerrados, cegos de não te ver mais...
Porém aqui estás, indolentemente, passeando-te na minha dor...
Já não me bastam as recordações, já não me basta a tua presença... outrora seriam sinónimos de sorrisos, de olhar brilhante e de vida... Resta-me o frio imenso que é chorar a morte do que fomos, atravessar o luto diário da nossa semi-existência...
E eu sei que não me lês, por isso te escrevo estas palavras, porque me oculto na cobardia que é a esperança que me estrangula...
Bastar-nos-ia uma palavra, a correcta, a necessária, a urgente, a premente: fim... Já nada nos prende, nem mesmo o calor dos corpos nas noites frias, os cheiros, os olhares, os sabores... dolentemente distante a sinestesia perfeita... doentiamente presente essa sensação que me flagela a cada segundo da tua presença...
Um dia olhei-te pela primeira vez: olhar brilhante, cabelos revoltos, sorriso perfeito... Fiquei para sempre presa nesse feitiço que nos encantou. Há muito que me agarro a essa imagem, revestindo-me consecutivamente de todas as sensações... Hoje acordei e percebo que não passamos de mera fotografia nesse corredor do passado...
Amei-te tanto...